*Conteúdo originalmente publicado no jornal Hoje Em Dia
Belo Horizonte completou, ontem, 122 anos. Ainda é muito jovem nossa menina BH, principalmente quando comparada a outras metrópoles do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, [ambas com mais de quatro séculos e meio de vida]. Mesmo nova, a capital de todos os mineiros tem história. E a nossa história é feita de temperos. Ela pulsa nos bares e botecos da cidade. Se perpetua e se fortalece na cozinha que, por sinal, é quase um personagem pelo qual temos muito apreço.
E por falar em cozinha, movido por um sentimento de reflexão que os aniversários sempre despertam, quero deixar a você, meu caro leitor, uma pergunta, aparentemente simples, porém complexa: falamos bastante de culinária mineira, reconhecida mundialmente por suas singularidades, mas qual é o verdadeiro sabor que marca a [culinária] belo-horizontina?
Já me questionei sobre esse assunto algumas vezes e depois de tanto matutar, sabe a qual conclusão cheguei? Impossível afirmar que o sabor da cozinha de BH é único. A nossa marca é, justamente, a pluralidade. Temos um estado inteiro concentrado na capital. Acredito, inclusive, que Belo Horizonte é um mar no qual deságuam rios de diversas regiões mineiras, com seus pratos simbólicos, desde o pequi de Montes Claros ao ora-pro-nóbis de Ouro Preto.
Essa multiplicidade de sabores pode ser percebida ainda quando vamos ao Mercado Central e nos deparamos com bancas de queijos, hortaliças, cafés, condimentos e temperos de inúmeras localidades produtoras de Minas. Todos, sem exceção, vão para mesa do belo-horizontino, além de se tornarem ingredientes nos bares e restaurantes.
O próprio título de Cidade Criativa da Gastronomia, concedido pela UNESCO em novembro, só foi possível devido a influência que recebemos das culinárias de mais de 350 municípios mineiros, o que deixa nossa cozinha, não só, plural como também extremamente regional, genuína, peculiar e criativa. E é aí que está nossa cereja do bolo: diferentemente de outras capitais, cujos pratos tem um ‘q’ contemporâneo e internacional, os nossos temperos vem das fazendas, das donas Antônias e Marias que, com seus cadernos de receitas abertos sobre os fogões de lenha, perpetuaram saberes e deram uma identidade muito própria aquilo que comemos.
O presente mais afetuoso que posso desejar para ‘Belô’, nos próximos anos, é que tenhamos guardiões apaixonados por nossa culinária, capazes de manter os sabores, origens e ingredientes raízes. E que fique bem claro: não sou contra a internacionalização da cozinha mineira, nem avesso às releituras, muito pelo contrário. Espero que todos os cozinheiros e chefs da nova geração, sintam-se a vontade para fazê-las, mas sem se esquecerem que elas passam por leituras daquilo que já foi escrito. Portanto a tradição merece seu lugar de destaque.
Ricardo Rodrigues – Presidente ABRASEL-MG e Coordenador da Frente da Gastronomia Mineira
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